A cura

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Rupi Kaur divide o livro Outros Jeitos de Usar a Boca em quatro partes: a dor, o amor, a ruptura e a cura. Nesse livro, Rupi compartilha com o leitor poesias extremamente pessoais, focando no amor próprio e na valorização da mulher pela mulher. Cada verso, um soco no estômago diferente, mas quando cheguei na última parte do livro, os socos passaram a ser como tapas nas costas me dizendo “ei, você consegue”.

Claro, para chegar na cura, tive que passar pelo capítulo da ruptura. Isso no livro e na vida. Mas eu aprendi que a dor faz parte para que a gente consiga aprender mais sobre nós mesmos.

Quando chegou o meu aniversário, eu pensei ser a gota d’água. Pensei que tivesse chegado ao meu limite e que a partir daquele dia eu não iria se quer fingir um sorriso de novo. Procurei a parte onde tivesse mais plantas da minha faculdade, tirei o sapato e me sentei na grama. Imaginei por alguns minutos que eu estava distante de tudo e que as coisas ficariam bem. Resolvi pegar um ônibus e ir para uma cafeteria que fazia tempo que queria conhecer, perto da Redenção, o meu parque favorito em Porto Alegre.

Enquanto eu ia passando, uma amiga me encontrou. Ela me abraçou e perguntou se eu estava bem. Ao olhar nos meus olhos ela soube que não estava, então eu não precisei abrir a boca e só continuei caminhando até o banheiro. Lá eu chorei. De novo, me olhando no espelho. Chorei feito uma criança e segui com aquela minha amiga até o saguão do meu prédio, que me fez adiar um pouco a minha ida à cafeteria.

De longe ouvi algumas pessoas gritando e rindo. Me virei assustada para ver o que tava acontecendo e foi ali que percebi que finalmente cheguei na minha cura que tanto imaginei enquanto lia poesia.

Chorei de novo, mas daquela vez era por gratidão, leveza e amor. Foi por entender que eu estava me sentindo mal por pessoas que não faziam nada para me ver bem, enquanto tinha todas aquelas outras que estiveram comigo todos os dias em que eu só me sentia perdida ou sozinha. Chorei quando percebi que eu não precisava de mais nada, as pessoas que realmente importam fariam tudo para me ver bem, e não ficariam me olhando de longe como se nunca tivessem sido convidadas para a festa.

Rupi Kaur termina o livro com essa poesia:

você me abriu ao meio
do jeito mais honesto
que existe
de abrir uma alma
e me forçou a escrever
num momento em que eu tinha certeza que
nunca mais conseguiria escrever
– obrigada

E é com ela que eu começo o meu novo capítulo.

dez de setembro de dois mil e dezessete

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Queria escrever coisas diferentes. Escrever sobre os meus girassóis que morreram, a lambida sincera da minha cadela e sobre como o brilho nos olhos da minha irmã me inspira. Queria escrever sobre aquele dia em que você me mostrou os teus textos e sobre como você ficou nervosa enquanto eu segurava aquele caderninho com todo o cuidado do mundo.

Algumas das minhas palavras também poderiam ser destinadas a minha gratidão pelas oportunidades que tive até aqui, pelas pessoas que conheci e as lições que aprendi.

Um texto ou outro poderiam ser sobre como eu me assusto com facilidade e sobre como perceber as mudanças que aconteceram não me assusta nem um pouco. Eu também poderia escrever mais sobre os meus sonhos, mas talvez eu não conseguisse fazer isso sem parecer ter doze anos de novo. Não que eu parecer ter doze anos seja algum tipo de novidade para alguém.

Deveria dedicar mais tempo e escrever alguma resposta pra quem fez comentários maldosos sobre as minhas fotos do Instagram. E falando em resposta, eu também poderia fazer mais perguntas.

Queria escrever sobre como eu vejo certas coisas que nós romantizamos muito nos dias de hoje e queria saber os motivos de nós acharmos que esse jogo de esconder quem realmente somos é algo bonito. Ou saudável.

Talvez se eu tivesse quatorze anos ainda eu conseguisse organizar todos esses pensamentos como uma pessoa sensata. Longe de mim culpar a pós modernidade pela minha ansiedade, mas todos sabemos que a culpa pode ser dela também. Nem que seja só um pouco.

As minhas flores e o jogo do contente

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Sabe o que eu fazia quando não conseguia dormir quando mais nova? Me imagina em um campo de flores com fadas, borboletas e arco íris para todos os lados. Eu encontrei, no meu pensamento, uma maneira de enfrentar o meu medo de escuro e assim eu passei muitas noites da minha infância. Tinha vezes em que eu suava frio, mas no fundo eu acreditava ter a solução e por isso ficava mais calma.

E quando as coisas insistiam em não dar certo, eu aplicava o jogo do contente, da Polyanna, na situação. Se alguma coisa não estava indo bem, eu procurava o lado positivo. Sempre foi assim.

Sempre acreditei ter total controle da minha vida até que ela tratou de provar o contrário. Em alguma noite de outubro percebi que não estava mais jogando com a Polyanna. E ontem me dei por conta de que não imagino mais os meus campos floridos antes de dormir.

Mesmo que não tenha mais medo para dormir, o medo continua. Só que agora é pelas coisas que podem acontecer quando eu acordar.

Em uma das minhas conversas pedindo ajuda, falei sobre o jogo do contente e sobre como eu só não conseguia mais. Sobre o quão exausta eu estava e o quão boba eu me sentia o tempo inteiro por ter me permitido estar naquele estado.

Decidi que vou voltar a jogar agora. Vou voltar a imaginar as minhas flores por todos os lados.

Li em Tartarugas até lá em baixo, do John Green, que pensamentos são apenas pensamentos, e nós não somos eles. Não podemos controlar os nossos pensamentos, mas podemos escolher se eles serão importantes pra gente ou não. E por muito tempo eu permiti que os meus pensamentos negativos tomassem conta de cada parte de mim em cada um dos meus dias. Permiti que me dissessem que o problema estava em mim, quando na verdade estava naquelas pessoas.

Eu posso escolher entre a minha saúde e boas energias, ou a continuação de um massacre psicológico incentivado externamente por outras pessoas. E eu fiz uma escolha nova agora.

É dezembro

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Em março eu escrevi “não tenho mais unhas para roer e nem coragem para continuar”. Em março eu não fazia ideia do que ainda estava por vir. O pior? É dezembro e eu continuo sem saber.

Nós estamos em transformação constante. Assim também é com os nossos sonhos, prioridades e dilemas. Em março eu estava no início do segundo semestre da faculdade e, relendo os meus textos da época, eu nem imagino mais qual era o conflito interno que me fez roer tanto as unhas. Mas eu lembro dos conflitos de agosto. E setembro. Outubro também.

O curioso de estar vivendo um momento ruim é que nós sentimos como se nunca tivéssemos passado por nada como aquilo. E talvez não mesmo. Mas a gente esquece que nós já derramamos outras lágrimas no meio do caminho e que fomos nós mesmos que secamos elas com o tempo.

É certo que a cada decepção nós murchamos um pouco mais. Foi assim que aconteceu comigo, pelo menos. Mas eu murchei tanto que nem as outras flores que estavam na minha volta eu enxerguei mais. Parei de apreciar a beleza das pequenas coisas. O que é trágico se formos pensar que eu me encaixo entre essas “pequenas coisas” que me refiro.

Por meses eu fiquei com a frase de uma colega minha do ensino médio na cabeça. Ela dizia “Eu acho incrível como a Mariana tá sempre rindo. Parece que ela nunca fica triste”. E pensando nos meus dias de colégio eu realmente não posso reclamar. Em algum ponto dessa história toda a frase da Natália parou de fazer sentido. Não tinha mais efeito. Deixou de ser verdade. Quando percebi isso, em um daqueles momentos que fiquei me encarando incansavelmente no espelho, a sensação de despertencimento tomou conta de mim. Eu já não me enxergava mais naquele reflexo e parecia que a cada lágrima que rolava pelo meu rosto uma parte do meu verdadeiro eu se despedia.

Andei por ai perdida. Sozinha. Mas eu sabia que não adiantaria ter alguém ao meu lado para me ajudar. Não mais. Eu precisava daquela pessoa que eu via na frente do espelho todos os dias. Passei a buscar a única sincronia que eu realmente precisava.

Em maio eu escrevi alguma coisa sobre ter finalmente me encontrado. E na época era verdade. Eu finalmente soube quem eu sou, o que eu quero e pelo o que eu faço.

A inocência por pensar que as ouras pessoas se importavam comigo na mesma intensidade em que eu me importava com elas acabou por me dar algumas rasteiras. Entre essas quedas, acabei perdendo partes essenciais de mim.

Lembro da Jordana me dizer “Tu não era assim, Mari. Antes tu tava sempre falando merda e agora fica quieta ai no canto olhando os outros”. Na hora eu pensei: besteira. Mas no fim, ela tava certa.

Quando eu me dei conta disso, pareceu ser tarde demais. E isso me assustou. Eu nunca, em toda a minha existência, tinha ficado naquele estado. Me doeu cada uma das coisas que me atingiram nos últimos meses, mas principalmente a consciência de que eu havia me permitido chegar naquele ponto sem ter procurado ajuda.

A verdade é que a gente nunca quer ser ajudado. Não queremos acreditar que não somos capazes de curar as nossas dores sozinhos. Isso sim é burrice.

Eu aprendi muitas coisas com cada lágrima. Entre elas, aprendi que a verdadeira força está em quem tem coragem de demonstrar a fraqueza. Não é vergonhoso chorar na frente de ninguém. Não é infantil procurar conselhos de outras pessoas. Quando comecei a mostrar para as pessoas certas o tamanho da minha vulnerabilidade, encontrei a força que precisava para me reerguer.

Aprendi também que nem todo mundo se importa com o que sentimos e essa é a vida. Eu me esforcei demais por quem não deu a mínima para o que eu sentia. Perdi energia e tempo com quem não merecia nem uma das minha últimas dores de cabeça. E talvez esse tenha sido um dos aprendizados mais importantes do ano.

É dezembro e eu não faço ideia do que ainda está por vir. Mas sei o que já passou e quem passou também. Conheço a estrada que trilhei para estar aqui hoje e sei que sempre vou encontrar o caminho de volta caso eu me perca novamente. A viagem serve para que a gente possa aprender um pouco mais, por isso ela é importante, e independente dela, saber que chegamos em um lugar calmo novamente também é revigorante.

 

 

 

Esse sim é para você

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Você não vai encontrar outro texto para você aqui.

Lembro perfeitamente daquela segunda feira em que conversamos sobre o que fazer com aquela coisa que nós tínhamos. Eu pensei ter resolvido, afinal falar o que eu sinto de verdade sempre me pareceu o único caminho para que as coisas realmente dessem certo. Mas depois daquele dia eu percebi que nem sempre vai bastar eu querer muito, as coisas podem depender de outros fatores para funcionarem. E o que mais dói é quando esses fatores são outras pessoas.

Uma semana antes eu escrevi para um amigo. Escrevi sobre ser grata pelo abraço e sorriso, mesmo ele não sabendo nada sobre o que estava passando por aqui. Escrevi sobre uma amizade sincera que eu consigo levar com a verdadeira leveza que amizades precisam, sem me preocupar se as coisas andam pesadas em algum momento. E você achou que eu estava apaixonada por ele.

Acho que você queria uma carta em aberto aqui, afinal. Alguma demonstração de que no fundo eu não tinha desistido. Aquela mensagem não foi o suficiente?

Evitei ver, falar e pensar em algumas coisas por um tempo. Depois de todo aquele choro de criança, percebi que não era eu quem deveria estar daquele jeito. E que se eu continuasse assim, estaria assinando em baixo da minha certidão de Alice.

Sempre encontrei o caminho de volta. Dessa vez não seria diferente, eu sabia disso. As pessoas que estavam do meu lado estiveram lá desde o início, e eu não poderia ser mais grata por cada uma delas.

Eu precisava me encontrar de novo. Acho que tem uma música da Anavitória que fala sobre isso. Eu senti falta de mim mesma no final das contas, e agora que eu meu encontrei, percebo que você não está mais aqui. E nem vai estar.

Comecei falando que você não encontraria outro texto por aqui para você, mas agora sinto que tenho mais para falar. Foram cinco meses que realmente transformaram a minha vida e a minha forma de ver as coisas, então seria injusto com a minha própria caminhada tentar reprimir os motivos que deixaram o meu coração acelerado ao ler essas minhas próprias palavras em voz alta agora.

Você vai encontrar mais de você aqui. Até porque eu ainda tenho aquele bloco de notas e as sementes de girassol que você me deu. Além das coisas materiais você também deixou algumas marcas. Então talvez, e não somente talvez, alguns dos “você” dos meus textos sejam sobre isso. Eu não posso dizer ao certo o que pode vir. Em algum texto eu posso tentar entender de novo o que agora eu juro que já esclareci, e em outro eu posso continuar dizendo que sou grata por você ter insistido em sair pela porta de trás, apenas deixando os seus rastros em cada coisa que tocou.

 

Notas

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Toda vez que alguma coisa acontece comigo eu penso “não vou escrever sobre isso. Se quero ser uma escritora de verdade, tenho que parar de escrever só sobre os meus sentimentos. Nem todo mundo quer saber das minhas histórias, eu preciso criar novas”. Então eu entro em um monólogo e busco soluções pra esse paradoxo entre escrever o que eu sinto ou sentir por escrever.

Comecei a anotar as coisas em um caderninho. Ganhei ele da Carol, depois de um breve debate sobre a Dani dever ou não entregar um outro caderninho cheio de poesias para a ex. Agora eu não lembro se ela entregou ou não, mas era lindo.

Acabou que desde setembro eu comecei a escrever fragmentos do que eu sinto nele, mesmo estando com ele guardado desde maio. As coisas demoram para acontecer comigo.

Fiz planos de escrever aqui algumas histórias que valessem a pena serem de fato contadas. Afinal, uma das primeiras anotações que fiz naquele caderno é “nem todo mundo se importa”. E eu passei a levar isso como lema de vida.

Tudo o que aconteceu comigo nos últimos meses me levou a acreditar que eu estava prestes a me afundar em maior proporção de alguma crise de identidade, não sei bem que nome posso dar para isso. Foi grave a ponto de me olhar constantemente no espelho, no fundo dos meus olhos, procurando algum ponto de felicidade plena. Eu me deixei levar pelos meus problemas e sofrimentos, e acabei esquecendo como eu sempre solucionei essas coisas: escrevendo.

Esse deve ser o terceiro texto em que eu digo que “voltei” a escrever aqui. Por isso, sem mais promessas. Agora eu só quero poder afirmar que eu lembrei onde está a minha essência. E o que eu devo fazer com ela.

Vai ficar tudo bem

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Alguma música pop estava tocando quando nos encontramos no meio da multidão. Na verdade, talvez pela primeira vez, eu te vi primeiro. Sai correndo pra te dar um abraço que jamais imaginei que daria. Você também não imaginou. Eu senti isso quando cruzei os braços no teu pescoço.

Acho que me senti aliviada. Encontrar alguém que me entende e conhece de um jeito que poucos conhecem, que sabe de tudo e ao mesmo tempo de nada, que conhece o meu caos apesar de não fazer ideia do tamanho dele, fez com que eu me sentisse, depois de muito tempo, protegida.

Voltei para a pista mais leve. Lembrei que tudo vai ficar bem, como sempre ficou. E você não precisou falar nem uma palavra.

Quando subi para a outra pista, entendi porque você estava ali. A música estava alta, as luzes piscando e mesmo assim dava pra sentir os corações pulsantes e olhares brilhando. Começou a tocar Fresno e foi como se todo mundo ali estivesse gritando as suas dores, mesmo que diferentes, todas iguais.

Sentei para observar os sorrisos que me cercavam. Você com seus amigos, cantando com todo o fôlego que tinham. Ela foi se aproximando e cantando ainda mais alto, com os pulsos fechados e os braços abertos. É realmente reconfortante perceber que estamos próximos de pessoas que se permitem mostrar as suas verdades.

No bar, os braços dela estavam me prendendo contra o balcão. Conversávamos próximas demais e alguns beijos entre uma música e outra. Olhei para o lado e você estava nos observando. Fiquei te observando de volta e sorri. E eu acredito que esse tenha sido o meu sorriso mais sincero nos últimos dois meses.

Mais uma vez não precisamos trocar palavras. Apenas gestos. Meu abraço disse “que bom te ver” e o sorriso, “obrigada”. Mas eu sei que você entendeu, afinal você sempre me entendeu. E talvez nem saiba disso.

cinza.

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O Bernardo me disse, em um telefonema esquisito no meio da madrugada de um sábado, quando ele se dizia sob efeito de alucinógenos, que eu sou uma pessoa cinza. Ele também me falou a opinião dele sobre as músicas novas do Harry Styles e contou como foi que descobriu que se tomasse tal quantidade daquilo, ficaria daquele jeito.

Respirei fundo, fingindo que não ligava muito, e perguntei: o que é ser uma pessoa cinza, Bernardo?

A resposta foi algo sobre como ele possui facilidade em “desvendar” as pessoas e entender o que elas pensam, mas comigo ele só não conseguia enxergar nada além de um olhar neutro nas situações em que ele julgava serem, de certa forma, reveladoras. Comecei a rir e disse que ele estava louco demais para estar falando sério. Ele disse que tudo bem e me deu boa noite. O que ele não sabe é do meu olhar confuso e o coração que de uma hora pra outra deu um pulo, como se dissesse: fui descoberta.

Mas como vou querer que me decifrem, se nem mesmo eu consigo?

Quando acordo e vou lavar o rosto, observo a minha face refletida no espelho. E se o sono não fala mais alto, viajo olhando para as minhas sardas e olhos caídos. Cada dia vejo uma Mariana diferente, por mais que as vezes elas se repitam. Talvez seja o ascendente em gêmeos e o sol em sagitário, mas não tenho propriedade nenhuma para falar sobre isso.

Hoje, sentada no bar, me peguei com a mão no queixo e os olhos brilhando. Depois de ler O Corpo Fala tenho prestado atenção nestes detalhes. Meu tronco inclinado pra frente e os lábios simulando um sorriso frouxo. Atenta é o termo certo.

Atenta nas palavras, risadas e olhares. Atenta nos movimentos e nas histórias.

Acho que o Bernardo se surpreenderia se me olhasse naquele bar hoje. Ele, que gosta tanto de ler e interpretar as pessoas, não teria mais dificuldade alguma. De cinza agora há pouca coisa. Todas as cores parecem fazer parte de mim de uma maneira que a muito tempo eu não via.

De repente, tudo virou poesia. E eu nunca fui boa com essas coisas. A minha vênus em sagitário deve estar assustada com os últimos  meses, mas tenho certeza de que o meu sorriso voltou a ser realmente sincero depois de tempos em que tudo o que eu fazia era forçá-lo.

 

Transbordei

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Era uma sexta feira, eu havia saído do bar e estava atravessando a passarela para pegar um ônibus e finalmente ir para casa. Nós bebemos alguns copos de cerveja, fizemos amizade com o garçom e você me deu um beijo de despedida.

Enquanto caminhava pela passarela, me concentrava para não chorar. Nunca demorou tanto para uma sexta feira como naquela semana. Tentei afogar as mágoas, mas no final do dia acabei transbordando.

Eu tenho esse costume de me olhar no espelho enquanto escovo os dentes, e por dias me encontrei observando profundamente cada traço do meu rosto e olhando no fundo dos meus olhos, como se estivesse procurando alguma resposta. As pessoas me olhavam e sabiam que eu estava cheia de dúvidas.

Realmente, as coisas poderiam ser mais fáceis. Depois de tanto tempo sem sentir nada, o que eu mais queria era poder sentir a paz de um sentimento verdadeiramente leve e confortável. E o meu coração aperta toda vez que lembro que não vai ser fácil.

Sempre fui a pessoa que diz que nós devemos arriscar tudo quando gostamos de alguém. Ver no que vai dar e aproveitar cada segundo. De repente eu me transformei naquela pessoa que não se permite sentir por medo. Medo de quebrar a cara e por não ter certeza de nada.

Chorei por sentir demais e não saber o que fazer com isso. Chorei por uma situação na qual eu não tive culpa nenhuma. Chorei porque me colocaram naquela encruzilhada e eu só queria poder sorrir com calma.

É como se eu tivesse imposto um paradoxo para mim mesma: por um lado queria saber de novo como era não ter controle do coração e por outro, me desesperei por simplesmente não poder fazer nada a respeito.

Ao subir no ônibus fechei os olhos enquanto algumas pessoas passavam me empurrando. Não estava me importando por ser esmagada contra o banco. E quando me dei conta disso, me assustei com a minha nova capacidade de apenas seguir um fluxo ruim e não conseguir tomar nenhuma atitude.

As coisas parecem estar mais calmas agora. Ou parecia. Já não sei mais dizer. A única coisa que tenho certeza é que vou dormir sorrindo e acordo do mesmo jeito todos os dias. E o que eu mais quero é manter esse sorriso, ser o motivo de alguns dos teus e cruzar eles no meio de um beijo.

Semente

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Sempre gostei de girassol. Na terceira série a professora Sarah disse que uma flor de girassol era como um grande buquê de flores. Fiquei fascinada e foi isso o que eu contei em casa sobre o que havia aprendido na escola aquele dia.

Entretanto, nunca me sai muito bem na tarefa de cuidar de coisas vivas. Adorava caçar joaninhas pelo jardim e acreditava fielmente que elas viveriam por anos em um pote de margarina com a tampa furada. Também tive alguns problemas com meus peixes azuis. Sim, foram mais de três tentativas falhas.

Com pessoas as coisas aconteciam um pouco diferente. Felizmente não posso guardar ninguém em pote nenhum, ou até mesmo comprar outra pessoa igual para substituir aquela que se foi. As coisas só não funcionam assim e provavelmente seja realmente melhor desse jeito.

Quando alguém diz querer guardar outra pessoa em um pote, confesso que fico um pouco preocupada. Como vai alimentar ela? Ou como tem certeza que aquele buraquinho é o suficiente para ela continuar viva?

Assim como as joaninhas e borboletas, pessoas lindas de alma aparecem por aqui vez ou outra. Fico admirando tamanha beleza e imagino com os meus botões que mal teria se elas só ficassem por perto por um tempo. Tudo bem se elas ficarem por pouco tempo, não me preocupo com isso.

Não me preocupar com o tempo não significa não me importar com ele. Não se confunda, nem me entenda errado. Estar rodeada de pessoas que iluminam e colorem nossos dias é extremamente gratificante, mas apenas temos que admitir que em algum momento outro alguém pode merecer mais toda aquela cor e luz.

Há dois meses atrás eu ganhei as minhas primeiras mudinhas de girassol. Pesquisei o melhor lugar da casa para deixá-las, reguei todas as manhãs e troquei de pote quando senti que estava na hora. Elas cresceram, mas ainda não floresceram. Nesse meio tempo aprendi a lidar com essa espera gigantesca por algo que tenho convicção de que será bonito.

Quando o caule ameaçou quebrar com uma ventania de julho, logo coloquei um pequeno galho ao lado, amarrando com uma fita para estabilizá-la. E na semana passada percebi que talvez não dê certo. Mesmo com todos os cuidados e medidas tomadas, as folhas parecem secas e talvez seja isso mesmo, talvez só não dê certo.

Primeiro pensei em todos os dias que parei e fiquei analisando com cuidado cada mudança notória da minha flor. Lembrei das minhas expectativas e do tanto que eu sempre quis um girassol. Aquele amarelo vivo contornando o preto, trazendo a sensação de equilíbrio entre a felicidade e os meus momentos mais solitários. Na verdade essa parte tirei da minha cabeça, nenhum site me falou sobre solidão enquanto explicava os significados do girassol. No meu coração faz sentido, então a minha cabeça acredita. Acho que todo mundo tem algo assim.

Da mesma forma que acredito que está tudo bem as pessoas virem e irem, me peguei pensando sobre quando plantarei outras sementes de girassol. Quando aceitarei que não adianta amarrar mais um galho próximo?

Nós definitivamente nos esforçamos demais e colocamos muita energia no que acreditamos ser aquilo que queremos ou precisamos. Não aceitamos a ideia de que de vez em quando as coisas acabam antes do que imaginávamos e esquecemos que não tem problema nenhum nisso.

Quem sabe não deveríamos focar por algum tempo nas nossas próprias flores, ao invés de torcer que alguma brote por ai quando bem entendermos? De repente nós nos surpreendamos com as nossas próprias flores e percebamos que era disso que nós precisávamos.

Nestes dois meses com a minha mudinha de girassol, que nem tive tempo para pensar no nome, algumas pessoas apareceram por aqui. Um certo caos se formou e eu finalmente encontrei uma pessoa a quem dedicar tamanha calmaria.

Comecei a imaginar agora, enquanto penteio o cabelo ainda molhado, que loucura seria se na verdade os meus girassóis que tanto quero colher estivessem nas pessoas. E conforme passam os dias, a minha tarefa é regar e cuidar para que, quem sabe um dia, essa pessoa me permita conhecer a sua flor mais bonita.